Por mais assustador que o rugido possa ter soado, os caçadores estavam lá para fazer o que faziam de melhor: caçar bestas. Brágui¹, o mais sábio dos caçadores, em tom calmo e inspirador, dirigiu-se aos demais:

  - Ainda que a fera seja astuta e amedrontadora como é, - dizia calmo e absoluto - estamos em maior número!

  - Engraçado ver um covarde como tu dizer algo tão "corajoso". - esbravejou Ziu² em tom de escárnio. - Vá, recite um poema para a fera...

  - Silêncio! - sinalizou Wiho³ com a mão - Com tanta falação a fera irá nos...

  Antes mesmo que Wiho terminasse de falar, o temível Rhaegal sobrevoou os três caçadores, deixando nítido que havia notado sua presença.

  Medo e incerteza tornaram o clima denso. Era palpável o desespero dos caçadores. Por melhor que fossem, sabiam que Rhaegal era temido por justamente tirar a vida de gente como eles: caçadores experientes e confiantes.

  Adrenalina corria em seus corpos. Haviam poucas opções naquele momento: poderiam lutar contra a fera, mas sabiam o risco. Fugir deixou de ser uma opção, já que a caravana que os levou até às redondezas de Arryn já havia partido há tempo... Foi quando Brágui, tomado por um instinto de sobrevivência, gritou:

  - Sigam-me, acho que sei o que irá nos salvar!

  Não havia tempo para questões, piadas sobre poemas ou escárnio. Wiho e Ziu seguiram Brágui como se sua ordem fosse messiânica. Desviaram-se das árvores e pedras que rodeavam a base da montanha. No meio de tanta correria e obstáculos, Ziu esbarrou em um galho, no qual se cortou. O profundo corte parecia dizer "Olhe para mim! Jorro sangue como ninguém..."

  - PORRA!!! - vociferou Ziu com toda sua incomparável força.

  - O tão forte Ziu não gosta de sangue?! - zombou Brágui.

  - É melhor que toda essa correria nos leve para um lugar seguro, poeta de merda! - disse Ziu em uma mistura de gemidos e raiva.

  - Pode deixar...

  Brágui realmente sabia o que estava fazendo. No fim das contas, por mais desmedida e descautelosa que tenha sido sua decisão, Brágui sabia que na base da montanha havia uma caverna. Um gruta, para ser mais específico. Sabia também que a fera era grande demais para os alcançar dentro da gruta... ou pelo menos queria acreditar nisso.

  Finalmente chegaram. Cansados. Exaustos. E no caso de Ziu, ensanguentado.

  -Vamos, entrem logo! - ordenou Brágui.

  Sem exitar, entraram os três. A gruta era grande. Mas sua entrada era pequena, e isso era ótimo: Brágui estava certo, nunca que o temível Rhaegal conseguiria entrar.

  -Vamos ver como está essa merda de braço. - disse Wiho para Ziu, já examinando o corte - Sujeito de sorte você. Por pouco não teve de deixar as espadas e lutas. Sujeito de sorte...

  - Ainda bem. Nunca que um pequeno galho derrubaria o grande Ziu! - afirmou confiante.

  - Sim, sim... o grandioso Ziu! - zombaram Brágui e Wiho.

  Os três riram. Silêncio tomou o lugar. Aquele silêncio ensurdecedor, com sabor de morte. Ouviam-se os pingos, as rãs e até mesmo a brisa do vento. A energia da gruta era pesada. Ziu interrompeu o silêncio:

  - Passemos a noite aqui. Já está escurecendo e não me soa prudente sair às escuras tentando matar tamanha besta... - disse - além do mais, estou cansado.

  - Pela primeira vez em tantos anos, terei de concordar contigo - disse Wiho.

  - De acordo. Mas alguém precisa cuidar da entrada. Não queremos surpresas enquanto dormimos - acrescentou Brágui.

  - Pois bem, - começou Ziu - eu estou debilitado e COM CERTEZA, preciso de um descanso...

  - E eu acho que torci meu tornozelo enquanto corríamos. - dizia Wiho enquanto apalpava o tornozelo e fazia caras de dor tão teatrais quanto podia - Acho que sobrou para você, Brágui.

- Olhe pelo lado bom, poeta: poderá passar a noite escrevendo suas baboseiras! Não há de ser tão ruim, faz isso sempre... - provocou Ziu.

  - "FILHOS DE UMA GRANDE PUTA!" - pensou Brágui - Sem problemas. Me parece ótimo! - disse, controlando a raiva que estava sentindo.

  - Ótimo, ótimo... depois a gente fala com o puto daquele anão que nos contratou e pedimos que pague uma fatia gorda para você! - disse Ziu, já pegando no sono.

  Passaram umas horas. Brágui estava na entrada, com seu punhal no colo e seu livro de poemas em mãos. Estava tudo estranhamente calmo. Nenhum sinal de Rhaegal desde que ali entraram. Ziu roncava como um porco. Ecoava de forma engraçada. Parecia até que uma vara de porcos morava naquela gruta. "Até parece que aquele anão gordo vai me pagar mais um bocado por estar bancando a babá desses dois... até parece.", pensava Brágui. O silêncio e a calmaria romperam-se com um melódico eco que chamava por Brágui. Soava quase que como um murmuro. "Brágui, siga minha voz". Mesmo que intrigado, Brágui decidiu investigar e adentrou ainda mais a gruta, em direção ao estranho chamado.

  Andou por um par de minutos. Quanto mais se aproximava da voz, menos audível ela era.

  Finalmente chegou em algo. Parecia ser o fim da gruta. Um amplo espaço "redondo", coberto por vinhas e musgo. Parecia até mesmo outro lugar. Aquela gruta morta que exalava silêncio lancinante agora era repleta de vivacidade e sons amigáveis. Brágui estava perplexo. "Isto é o paraíso!". Foi andando em passos lentos enquanto admirava o local, quando sentiu seu pé esbarrar em algo. Olhou para ver o que era. Todo o deslumbre virou espanto. Um corpo. Não um corpo qualquer, o seu corpo. Pálido. Gélido. Morto. Pensou em gritar, mas não conseguiu. Sabia que era "seu corpo" pois o mesmo segurava seu livro de poemas. Estava aberto. Brágui agachou-se e pegou o livro. Estava aberto em uma página desconhecida por Brágui. E isso era estranho, já que ler e reler aquele livro era sua rotina. Ainda espantado, porém curioso, decidiu ler a tal página:

  "Não confie no dragão,

   Evite a gruta.

   Não se trata de uma caverna qualquer,

   É Caverna do Dragão,

   O antro da loucura.

   Onde o tempo não passa,

   O silêncio ensurdece,

   E onde quem adentra,

   Para sempre adormece..."

  Terminou de ler e caiu no chão. Exatamente na mesma posição onde o corpo, que de fato era o seu, estava.

  Os destemidos caçadores jamais foram vistos novamente. Estavam, para sempre, presos na Caverna do Dragão. Amaldiçoada; quem ousasse entrar, se perderia em sua própria mente. Brágui estava errado. Rhaegal conseguiria facilmente entrar na gruta, mas era de fato astuto, por isso não o fez.

--------------------------------------------------FIM--------------------------------------------------

Escrito por BlingBlingDing no dia 04/02/20, às 14:00 horas.

Nomes em negrito:

Brágui¹ : https://pt.wikipedia.org/wiki/Bragi

Ziu² : https://pt.wikipedia.org/wiki/Tyr

Wiho³ : https://pt.wikipedia.org/wiki/Vé