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Sylas & Lavinia. - posted by guest on 17th August 2020 12:57:38 PM
O mundo parece estar a girar sem sentido certo até, simplesmente, deixar de o fazer. Todas as ideias e crenças que antes eram consideradas regras sobre as quais me restringia a viver, passaram a ser uma fachada. O corpo diante de mim, estava morto, e o terço que outrora apertava nas minhas mãos estava espalhado pelo chão.
Ergui-me da cadeira na qual me sentava há dias e abandonei o hospital: "Se a vida é tão nossa porque termina quando não queremos?" "Se Deus olha por todos, porque é que não olhou por ti quando lhe implorei, minha mãe?" Tais questões telintavam na minha mente, tanto me tiravam a esperança na humanidade, como me faziam questionar a minha própria vida.
O tempo passava e o povo que esperava por mim, não podia sair prejudicado; a missa tinha de acontecer. Contudo, dali em diante, a missa era eu quem a dava, era eu quem determinava o que era dito e feito.
[...]
Os anos esgotam-se como se consumidos por fogo e por todo o globo escutam-se os mais tenebrosos relatos do domínio diabólico, o mais recente e significativo, o de Regan. Uma jovem caracterizada pelo seu dulçor e castidade, ambas tingidas pela malignidade.
Quando fui solicitado na residência dos MacNeil, imaginava uma jovem apenas enferma ou, por outro lado, mais uma obstinação por meio do fanatismo. Contudo, ao entrar no quarto enegrecido e caluniado, esbarro com uma blasfémia caótica. Existia no seu olhar o reprovador fulgor do submundo e no seu rosto, uma virtude rasgada pela heresia. “Padre, Padre, Padre ... Escutei coisas maravilhosas acerca de si. A sua mãe é tão conhecida no inferno, especialmente pelo seu sexo oral. ” O brado era feminino, soava tão convidativo quanta o panorama das suas pernas, desabrochadas sobre a cama, como duas pétalas de rosa na mocidade de cada ano. “Quem és tu?” Indaguei procurando dominar uma negociação que se inicia por via das palavras. “Eu sou o Diabo.” Proclamou, estampando no seu rosto e através de um sorriso, todo o regalo espremido da agonia das mártires do inferno. “Se és o Diabo, porque não te soltas da cama?” Ripostei reconhecendo a embjustiça das suas afirmações e nesse momento que a sua língua se estende pelos seus lábios pincelando-os. A ténue trama da sua imaculada túnica, eleva-se, descortinando um portal sem desvios para o colossal abismo. “Ora, isso seria fastidioso. Preferi esperar pelo seu auxílio. ” Compreendi a obscenidade proferida pela sua língua que serpenteava na minha psique aliciando-me com o seu respetivo fruto proibido e, nos recônditos recantos do meu âmago, prolifera-se o tormento. “Vamos ressarcir a morte da sua mãe. Vire as costas a Deus que o Demónio lhe abre as pernas. ” Estas foram as últimas palavras que proferiu antes da água benta embeber o chão entre vidros estilhaçados. Naquela noite, fui eu que apossei as trevas por meio da lascívia. O sacrílego libertou Regan, algo para o qual o catolicismo se mostrou inapto com a minha despojada mãe. Desde essa noite, além de me catequizar a sacerdote do martírio, fiquei enamorado pela mais impostora serpente do inferno. E assim sigo, fiel ao reconforto negra malignidade.