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Quando as Fogueiras se Apagam - posted by guest on 15th May 2020 01:09:17 AM

Há muito tempo nesta floresta rondavam sussurros de rituais que aconteciam nas ravinas mais escuras, onde espectros femininos arrastavam até o sopro do vento, dançavam em volta de uma grande fogueira que contavam ser alimentada pelo sangue talhado dos animais, aquele que até os vermes se empertigam ao devorar. Os moradores das vilas ao redor chamavam-nas de filhas da escuridão, e que aquela bruxaria obscura envenenava a vida daquela floresta. Mas por sorte ou azar, ninguém tinha coragem de adentrar na escuridão e ver o rito da ravina. Tempo se passou e uma misteriosa praga afetou a água que abastecia as vilas, as mulheres acabaram por ter seus úteros atrofiados, e mesmo as grávidas davam a luz bebês natimortos. Uma revolta geral fez com que todos culpassem as bruxas da ravina, afirmando que eram elas as semeadoras daquele mal latente, e que Deus os punia por deixarem-nas continuarem com aquela profanação. E foi então que numa noite como esta, todos os homens que pudessem portar uma foice ou uma lança adentraram na floresta caçando aquelas mulheres bestiais. Ao se aproximarem da ravina, presenciaram aquele culto dito abominável, onde aquelas profanações serviam-se de vísceras animais e se pintavam com o sangue já apodrecido, e em movimentos tortuosos dançavam em volta de uma fogueira que queimava tão intensa como os olhos do diabo. Apavorados, mas repletos de ódio, correram em direção ao sangue e atacaram aquelas que mantinham o fogo ardente crepitando. Surpreendidas com o ataque, mal puderam revidar, e a terra até então virgem, bebeu do sangue daquelas que não lhe pertenciam. Nunca se havia ouvido gritos tão estridentes. A última bruxa ao cair, vendo tamanho sacrilégio, ergueu sua voz e disse para todos que quisessem ouvir “a terra provou do sangue que não era seu, a escuridão lhe roubará a luz em resposta. Sangue será pago com sangue, e nenhuma vida aqui prosperará. Essas são palavras da mãe que deserda”, e em seu último sussurro ao vento, o fogo que ardia como o inferno se extinguiu. Assustados com as palavras da mulher, correram para seus lares. Silêncio absoluto. Não havia nada humano ali, um gosto acre se espalhava pelo ar. Ao entrarem em suas casas, sangue manchava suas visões, não haviam corpos, somente sangue e nenhum sinal de seus filhos ou esposas. Naquela noite foram embora, sem levar nada além do medo e maldição. Os que insistiram em ficar, atrofiaram de fome. Nenhuma vida nasceu ali, como também nenhuma morreu. As árvores são testemunhas, e o vento carrega as palavras da bruxa. E contam que até hoje, quando as fogueiras se apagam com a ira do vento, são as bruxas ainda cobrando seu preço.

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