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Untitled - posted by guest on 12th July 2020 06:38:56 AM

        Nunca hei de me esquecer do momento mais obscuro que vivi em minha vida... Quando os edifícios definhavam-se com seu próprio metal retorcido, das pessoas que vi desabando ocas, como se algo lhes tivesse roubado o controle e as sensações, ou simplesmente aquelas que caiam de súbito com a própria pulsação interrompida, e dos raios... Raios que caiam como pingos de chuva...

        Lembro-me dos tremores, do chão que se rompeu baforando mercúrio líquido e fundindo o que jurei ser a noite sólida, vi espelhos que não tinham reflexo próprio, bestas prateadas que se escondiam por trás das atrozes chapas de metais que davam formas ao exorbitante Templo de Ébano... E ao topo, lá estavam aquelas quatro silhuetas esguias que projetavam uma áurea de obscuridade e beleza inominável. Ao rastro dos olhos, tambores de ossos compassavam os gritos de dor lasciva e de medo puro, fintados pela esganiçada voz daquela que moldava ferro bruto e o silêncio oco das que esmagavam com os olhos.

        Tentei me esconder, corri dali, não possuía lugar em que os raios não alcançavam, ou que a própria cabeça não ardesse com aquela voz perseguidora. Minha pulsação parecia congelar no peito, estava quase indo ao chão quando distingui o que jurei o mais revolto dos seres, com seu penetrante olhar impiedoso senti-me preso em pensamentos que já não eram meus, e a voz que não me pertencia pareceu sussurrar "Sangue por sangue, alma por alma... Assim será feito".

        Quando retornei ao meu ser, encontrei-me ensanguentado segurando uma barra maciça coberta de sangue, não sabia quanto tempo havia se passado, se minutos ou dias, ou de quem era aquele sangue, até que vi o próprio rastro partindo de corpos caídos, lesionados e feridos, alguns ainda em agonizante dor ao olharem para mim... Eu havia feito aquilo? Não poderia... Foi aquela de ar impiedoso... Ela me tornou isso. Saí arrastando a barra de metal como minha única proteção, o zunido dos gritos não paravam, e já não sabia se estava de manhã, ou se os próprios raios agonizantes roubavam a luz solar...

        Senti o ar se esvaziar dos meus pulmões, senti meus olhos congelarem naquela figura pálida como marfim, o silêncio surdo dos meus ouvidos contavam o que eu já imaginava ser meu fim quando um pulso maior paralisou a mística. Uma ampulheta que já se esgotava regia o poder daquelas destruidoras, cada vez mais fracas seus corpos pareciam adormecer, até que a coroada em ébano materializou seu último suspiro de ódio em uma lança e a impulsionou contra o vidro, sem pensar duas vezes, me joguei entre ambos, todo aquele ódio ardia na ponta metálica que se alojou no meu peito...

        Acordei a poucos dias com uma estranha peça de cristal envolta por um bilhete...  Haviam poucas palavras legíveis, mas o breve agradecimento estava ali "Àquele que cravou em si o ódio místico e zelou pela pura paz, nossos mais profundos agradecimentos...". 

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